sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O soneto no boteco

O famoso Zicartola, no Rio de Janeiro, em cujas mesas
muita poesia nasceu.
... e o boteco no mundo.


Embora um dos segredos da poesia seja a capacidade de enxergar as coisas do cotidiano (em nossa casa, nossa rua e nossa cidade) de forma distinta da que estamos acostumados, também é fato que as viagens nos oferecem sempre oportunidades e motivações para escrever. Assim como um poema que publiquei aqui no mês passado surgiu numa viagem de ônibus pelo Rio Grande do Sul, o de hoje foi iniciado num bar, numa de minhas visitas à capital paulista, onde por acaso me encontro novamente no dia de hoje. Foi há exatos 10 anos, e continuo gostando muito dele. Está em Luta+vã (Libretos, 2012).


Soneto XXVIII (Paulistano)


O alívio de sentar-se num café
e ver um futebol sem ter idéias...
E ao tempo em que absorvo o alimento,
deixar que o chope faça o seu efeito.

Sonhar que a moça loira à mesa em frente
é a mesma que deixei nalgum lugar,
assim como hoje deixo em casa o peso
dos anos e problemas cotidianos...

O alívio de deter-se em qualquer parte
estranha a mim, alheia ao meu caminho,
alívio de ser eu, ansiado prêmio

que a mim parece inteiramente justo,
igual ao resultado da partida
jogada por dois times que eu ignoro.

sábado, 17 de setembro de 2016

Home, sweet ou nem tanto home

ou "naquele tempo em que eu e o Paulo Coelho estávamos na mesma editora"

Reparem no anúncio da contra-capa.
(Clique na imagem para ampliar)
Tava outra vez meio sem ideia esta semana, depois de ter "comemorado" por antecipação a Semana Farroupilha e até a Primavera... Qual seria o próximo poema?
De molho em casa, saindo duma gripe braba, me arrisquei (ou fui obrigado, antes que se abrigassem animais de grande porte no jardim) a cortar a grama. Por conta dessa tarefa tipicamente pequeno-burguesa, costumo lembrar dum poeminha, se não me engano o primeiro que vi impresso, no longínquo ano de 1983, após "vencer" um daqueles "concursos" para incautos, cujo "prêmio" é o direito de pagar pela edição do livro contendo o seu poema.
Curioso é que a Editora Shogun, do Rio de Janeiro, promotora do tal concurso, pertencia a Christina Oiticica, esposa de um então candidato a escritor, chamado... Paulo Coelho. Cujo livro, lançado à época pela mesma editora (ver imagem), pode ser comprado hoje num sebo por módicos R$ 1,5 mil. O sucesso é para poucos.
O poema até não era ruim, mas por ter deixado de ser inédito, acabou excluído dos meus livros individuais. Mas resolvi dar uma melhorada nele hoje, removendo os últimos quatro versos. Ficou assim:

CASA


Me lembra o quarto escuro
e a claridade do jardim.
O chão lustrado
e a grama aparada,
num domingo morno,
véspera de chuva.

Um antes de mim que me lembra
o antes de tudo:
– No princípio nada havia?
Havia sim, mas eu dormia.

E agora, por que não consigo
ficar neste quarto
e neste sol?

sábado, 3 de setembro de 2016

Chega Primavera

Enquanto isso, no jardim aqui de casa...
Batendo água lá fora, a temperatura porém mais amena, e eis que entramos em setembro. Ipês floridos pelas ruas. Nada mais previsível que eu estampar aqui um dos meus poemas primaveris, tema que eu revisito periodicamente. Não tem como escapar, morando nos Subtrópicos. Este está no primeiro livro, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito (1992).

Pé-de-Vento


Ventos da primavera
Varrendo a poeira das ruas
Para dentro dos meus olhos
Limpando a cidade os telhados
Erguendo saias distraídas
Poeira e lágrimas em meus olhos
Enchendo de ar meu peito
De sonhos e aromas a cidade
Os telhados e as saias das mulheres
Que fazem sonhar meus olhos
Lambendo o mar furiosos ventos
Da primavera brindando
brincando de desmanchar nuvens
Sonhos telhados e cidades
Nos olhos das mulheres
Varrendo a cidade erguendo saias
Suspirando olhando o mar
Furiosas lambendo lágrimas
Silenciosas correndo dos telhados
Para dentro de meus olhos