sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Os funcionários também amam

... E o poema desta semana vai dedicado ao funcionalismo público, esse herói e vilão, admirado e odiado, cuja data comemoramos hoje. Como em muitas outras ocasiões, foi inspirado num fato cotidiano, a partir do singelo espanto causado pela irrupção da poesia em meio a uma visita prosaica a uma repartição pública.

Faz parte do meu terceiro livro, Dança das Palavras (Instituto Estadual do Livro, 1998)

Recomendo ler em voz alta, para melhor sentir o ritmo.


PASSAPORTES


A agente da Polícia Federal
que expede documentos de viagem
encontra-se entediada esta manhã.
Talvez por isso mesmo ela debruça
os olhos sobre um verso de Camões.

Na velha escrivaninha então se passam
as doudas aventuras que esta vida
negou-lhe por haver nascido tarde,
ou cedo; ou num país desventurado;
ou que ela mesma evita, quando pode.

E é justo esse momento de tamanho
encanto, que eu estrago quando chego
querendo renovar meu passaporte.

Só resta a mim voltar daqui dois dias
— é o prazo em que se apronta o documento,
e dar-lhe de presente este poema.

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