sábado, 22 de outubro de 2016

Mais um soneto (e um prêmio)

Esta semana - em que o blog completa meio ano de existência - serei obrigado a atacar com outro soneto. Não que eu quisesse, pelo contrário, preferia economizá-los, já que não faço em média mais do que um por ano e, como neste mês já publiquei este e aquele outro, periga acabar faltando material. Talvez eu seja obrigado a fazer haicais para preencher o espaço.

Mas paciência, porque afinal um deles, o penúltimo que finalizei, acaba de ser premiado - 2o. lugar na categoria regional - no 12o. Concurso Literário Mário Quintana, promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal (Sintrajufe-RS). Além do troféu, os poemas selecionados serão reunidos num livro, a ser lançado no dia 15 de novembro, às 14h, na 62a. Feira do Livro de Porto Alegre.

Ei-lo:


Soneto XXXI


"Que posso eu amar senão o enigma?" (Nietzsche)


Bem tolo, amor, é quem te compra em drágeas
ou, ainda pior, dulcíssima emulsão,
pensando que és, amor, a cura mágica
do humano mal, divina salvação.

Ingênuo, amor, é quem pretende
permanecer distante, estar a salvo,
seguir dietas, evitar ambientes
insalubres, manter-se vacinado.

Que coisa eu posso amar, senão o enigma,
que quanto mais me é estranho, mais fascina?
Que posso amar, senão o enigma e nada 

além, buscar no outro o que me falta,
sabendo nele amar o imprevisível,
amor que a nós faz cada vez mais livres?

sábado, 15 de outubro de 2016

A infância e depois

Nesta Semana da Criança não tive tempo de publicar aqui, andei muito ocupado... brincando : )
Mas me redimo em tempo: depois de castigar o leitor com dois sonetos seguidos, segue esse poeminha antigo e singelo, que nem título tem. Está em Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito. (Editora da UFRGS, 1992)

Uma vez criança,
fugirás de um seio,
pela porta da frente da casa.
E virás pro mundo.

Uma vez na estrada,
descobertas: só olhar pra frente
e não querer
além do horizonte.

Uma vez sozinho,
voltarás teus olhos,
procurando o berço de tudo,
e não verás além dos próprios...

passos.

domingo, 2 de outubro de 2016

Há quatro anos, Luta+vã vinha ao mundo

Na foto, minha editora Clô Barcellos e o poeta Ronald Augusto,
que fez a seleção e apresentação dos poemas do livro.
(foto Kiran Federico León)
No dia 3 de outubro de 2012, há exatos quatro anos, acontecia o lançamento de Luta+Vã (Ed. Libretos), meu sexto livro (quinto de poesia), na mais simpática livraria de Porto Alegre. Pela primeira vez, passei a integrar o catálogo de uma editora privada, já que os quatro primeiros foram patrocinados por entidades governamentais, e o quinto por mim mesmo.
O título faz referência a um poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado "O lutador", que inicia assim: "Lutar com palavras/ É a luta mais vã/ Entanto lutamos/ Mal rompe a manhã".
Além do título, um poema do livro também faz referência ao mesmo trecho de Drummond, além de dialogar com uma canção de Chico Buarque ("Eu faço samba e amor até mais tarde...") e com uma passagem célebre de Romeu e Julieta, de Shakespeare. Ei-lo:

Soneto XXIII. (Da luta mais vã)


Faço versos de amor até mais tarde
e fico deprimido de manhã.
Mistura-se ao cansaço a saciedade.
Sou o bagaço da “luta mais vã”.

E à cotovia ou rouxinol que acaso
me venham com seu canto despertar
perguntarei se terão avistado
a minha amada, quando, em que lugar?

De perguntar em vão exausto, enfim,
retornarei à torre de marfim
onde aguarda meu amor o seu leito

de morte. Onde o meu verso, porém,
encontrará seu metro, muito além
dessa amada, das palavras, do tempo.



sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O soneto no boteco

O famoso Zicartola, no Rio de Janeiro, em cujas mesas
muita poesia nasceu.
... e o boteco no mundo.


Embora um dos segredos da poesia seja a capacidade de enxergar as coisas do cotidiano (em nossa casa, nossa rua e nossa cidade) de forma distinta da que estamos acostumados, também é fato que as viagens nos oferecem sempre oportunidades e motivações para escrever. Assim como um poema que publiquei aqui no mês passado surgiu numa viagem de ônibus pelo Rio Grande do Sul, o de hoje foi iniciado num bar, numa de minhas visitas à capital paulista, onde por acaso me encontro novamente no dia de hoje. Foi há exatos 10 anos, e continuo gostando muito dele. Está em Luta+vã (Libretos, 2012).


Soneto XXVIII (Paulistano)


O alívio de sentar-se num café
e ver um futebol sem ter idéias...
E ao tempo em que absorvo o alimento,
deixar que o chope faça o seu efeito.

Sonhar que a moça loira à mesa em frente
é a mesma que deixei nalgum lugar,
assim como hoje deixo em casa o peso
dos anos e problemas cotidianos...

O alívio de deter-se em qualquer parte
estranha a mim, alheia ao meu caminho,
alívio de ser eu, ansiado prêmio

que a mim parece inteiramente justo,
igual ao resultado da partida
jogada por dois times que eu ignoro.

sábado, 17 de setembro de 2016

Home, sweet ou nem tanto home

ou "naquele tempo em que eu e o Paulo Coelho estávamos na mesma editora"

Reparem no anúncio da contra-capa.
(Clique na imagem para ampliar)
Tava outra vez meio sem ideia esta semana, depois de ter "comemorado" por antecipação a Semana Farroupilha e até a Primavera... Qual seria o próximo poema?
De molho em casa, saindo duma gripe braba, me arrisquei (ou fui obrigado, antes que se abrigassem animais de grande porte no jardim) a cortar a grama. Por conta dessa tarefa tipicamente pequeno-burguesa, costumo lembrar dum poeminha, se não me engano o primeiro que vi impresso, no longínquo ano de 1983, após "vencer" um daqueles "concursos" para incautos, cujo "prêmio" é o direito de pagar pela edição do livro contendo o seu poema.
Curioso é que a Editora Shogun, do Rio de Janeiro, promotora do tal concurso, pertencia a Christina Oiticica, esposa de um então candidato a escritor, chamado... Paulo Coelho. Cujo livro, lançado à época pela mesma editora (ver imagem), pode ser comprado hoje num sebo por módicos R$ 1,5 mil. O sucesso é para poucos.
O poema até não era ruim, mas por ter deixado de ser inédito, acabou excluído dos meus livros individuais. Mas resolvi dar uma melhorada nele hoje, removendo os últimos quatro versos. Ficou assim:

CASA


Me lembra o quarto escuro
e a claridade do jardim.
O chão lustrado
e a grama aparada,
num domingo morno,
véspera de chuva.

Um antes de mim que me lembra
o antes de tudo:
– No princípio nada havia?
Havia sim, mas eu dormia.

E agora, por que não consigo
ficar neste quarto
e neste sol?