sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Poema de Natal ao meu amigo

Noutro 30 de dezembro, há três anos, publiquei no meu perfil do Facebook um poema em homenagem ao poeta e professor Eduardo Dall'Alba, então recentemente falecido, com quem eu compartilhei, além da poesia, a condição de filho pobre das colônias, tenor do Coral da UFRGS e ex-morador de uma certa casa de estudantes. O poema, dedicado em vida ao meu amigo, tinha saído em Luta+Vã (Libretos, 2012). Parte da inspiração vem da leitura de seu livro, parte dos sentimentos contraditórios de um pai assistindo aquelas apresentações natalinas na escola dos filhos. Segue aqui, com umas pequenas alterações que andei fazendo.

Poema de Natal ao meu amigo 


Caro poeta, meu amigo,
chegou até mim seu livro
luminoso, dolorido
de poucos adjetivos.

Aqui na Capital o recebi,
e quis o acaso que fosse Natal.
(Ao fundo, aquela música ordinária...)

O ano acaba, mas não os desejos.
O que vem é novo, mas nós não somos.
Mede-se o tempo, mas não a vida.

Teu livro não foi pra estante:
demora-se entre brinquedos...

E algo vai passando
ali, nesse canto:
poemas, brinquedos...
(Não somos, acaso,
leitor e poeta,
mais que uns meninos?)

Lá estão, de folha em folha,
o gozo, a dor, a arte
nas cenas de infância,
com pouca tinta e muito sentido.

A tarde era cinza,
o inverno duro,
gotas na vidraça,
mansas como facas.

Visitava-nos a ausência:
de luxo ou roupas quentes,
de afeto ou sobremesa,
da distância, de outros ares.

E quando o sol ofuscava,
havia todo um mundo a construir
com barro, tábua, cascalho.
Um povo só de adultos labutava,
sem olhos para o inútil,
sem tempo de brincar.

Mas é Natal, e enquanto leio,
nas escolas e anúncios da TV,
crianças inocentes,
para gáudio de seus pais,
manejam signos pra nos comover.

Mas não, conosco não.
De costas, sentados,
temos mais porque chorar.
Nenhum cálice é pra nós sagrado.

Ao fundo! - Pelo avesso!
Não é isso o que eu sinto,
e sim outra cousa!
E atrás dessa há outra ainda!

Fez-se verbo Deus?
Pois é nosso o verbo.
Quanto tempo nele
temos habitado?

Fez-se verbo Deus?
Não, que o verbo é coisa
antiga e sem apelo.
Hoje Ele é imagem
3-D, Dolby Digital
e efeitos especiais.

Fez-se o verbo carne?
Pois que doa então,
que da carne é próprio
doer e do verbo
dizer.