Poema de Natal ao meu amigo
Caro poeta, meu amigo,
chegou até mim seu livro
luminoso, dolorido
de poucos adjetivos.
Aqui na Capital o recebi,
e quis o acaso que fosse Natal.
(Ao fundo, aquela música ordinária...)
O ano acaba, mas não os desejos.
O que vem é novo, mas nós não somos.
Mede-se o tempo, mas não a vida.
Teu livro não foi pra estante:
demora-se entre brinquedos...
E algo vai passando
ali, nesse canto:
poemas, brinquedos...
(Não somos, acaso,
leitor e poeta,
mais que uns meninos?)
Lá estão, de folha em folha,
o gozo, a dor, a arte
nas cenas de infância,
com pouca tinta e muito sentido.
A tarde era cinza,
o inverno duro,
gotas na vidraça,
mansas como facas.
Visitava-nos a ausência:
de luxo ou roupas quentes,
de afeto ou sobremesa,
da distância, de outros ares.
E quando o sol ofuscava,
havia todo um mundo a construir
com barro, tábua, cascalho.
Um povo só de adultos labutava,
sem olhos para o inútil,
sem tempo de brincar.
Mas é Natal, e enquanto leio,
nas escolas e anúncios da TV,
crianças inocentes,
para gáudio de seus pais,
manejam signos pra nos comover.
Mas não, conosco não.
De costas, sentados,
temos mais porque chorar.
Nenhum cálice é pra nós sagrado.
Ao fundo! - Pelo avesso!
Não é isso o que eu sinto,
e sim outra cousa!
E atrás dessa há outra ainda!
Fez-se verbo Deus?
Pois é nosso o verbo.
Quanto tempo nele
temos habitado?
Fez-se verbo Deus?
Não, que o verbo é coisa
antiga e sem apelo.
Hoje Ele é imagem
3-D, Dolby Digital
e efeitos especiais.
Fez-se o verbo carne?
Pois que doa então,
que da carne é próprio
doer e do verbo
dizer.