sábado, 26 de novembro de 2016

A revolução das bicicletas

Foto de Fernando Gomes/Agência RBS (maio 2012)
Semana passada, estive ocupado escrevendo outra coisa, ensaiando pra tocar numa festa hoje... e acabei deixando os ávidos leitores deste sem poema novo.

Por sorte (ou azar?), assunto é que não falta, com tanta coisa acontecendo no mundo lá fora. Tivemos o Dia da Bandeira, o Dia do Músico, a Black Friday, o Sol entrou em Sagitário, Fidel acaba de morrer... Mas uma notícia boa, entre tantas ruins, merece uma atenção especial. Por isso escolhi este poema, escrito há cinco anos, sob o impacto do tristemente célebre atropelamento coletivo de ciclistas, acontecido aqui. A notícia boa? Foi a condenação do atropelador, esta semana, a mais de doze anos de prisão.

O poema acabou incluído em uma série intitulada "A Cidade Adversa", que reúne impressões sobre distintas cenas porto-alegrenses, que acumulo na retina há mais de 30 anos. Estão no livro Luta+vã (Libretos, 2012).


Heróis

O herói de agora
é um cavaleiro,
mas sem cavalo.
Não é soldado,
foge da guerra.
Não tem linhagem,
mas tem história.
Não voa alto,
antes navega,
canta e namora
sem pressa alguma.
Suave e ligeiro,
invade as ruas
dessa cidade.

O herói presente
olha o futuro.
Quer natureza
no cotidiano,
quer seu planeta
azul e verde,
em paz e humano,
mais do que tudo.
No caos do trânsito
segue, valente,
armado apenas
do seu encanto.

O herói que admiro
enxerga longe,
detrás dos vidros
das armaduras,
onde se escondem
velhos instintos
bem conhecidos.
No seu caminho,
a todo instante,
poças de sangue
e sepulturas
no meio-fio.

O herói do dia
– melhor dizendo
– a heroína
é feminina.
Boa de briga,
despreza os carros
e a gasolina.
Vestindo saia,
carrega flores
dores no peito,
sorriso doce
acena e passa...

numa bicicleta cor-de-rosa

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Viajando no tempo e na cidade

O Viaduto Otávio Rocha, em Porto Alegre, fotografado em
1933 por Jacob Prudêncio Herrmann.
Aproveitando a passagem do Dia Mundial do Urbanismo, no último dia 8, publico hoje esse singelo e antigo poema. Uma primeira versão, sem título, saiu no meu livro de estreia, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito (1992), e cheguei a musicá-lo, mas o resultado não ficou lá essas coisas. Recentemente, dei uma mexida nos metros e rimas, resultando no que está aí.

Foi inspirada por uma caminhada, daquelas boas, sem rumo e sem preocupações, pelo centro de Porto Alegre, nos longínquos anos de 1980, na companhia do amigo Rômulo Giralt. (Não posso garantir, mas é possível que estivéssemos sob efeito de alguma substância, mas isso é irrelevante.)

O Rômulo (que por acaso está de aniversário por estes dias, merecendo portanto a homenagem) viria mais tarde a se tornar arquiteto e professor universitário, mas já sabia muito mais sobre a história da sua cidade natal do que eu. Por esse motivo, o poema do livro está dedicado a ele.

Também utilizei os primeiros quatro versos (com uma pequena variação no terceiro) como um texto incidental falado, na introdução da canção (dele e do Mário Humberto) "Andarilho Noturno", no meu CD Trem da Utopia (2011). Clique aqui para ouvir.

Passeio n° 5

Caminhamos na chuva rala
Nossos sapatos deixam marcas
Na calçada, por entre os prédios
Que teimamos em chamar belos

Tão jovens na idade, os corações velhos...
Que vai ser de nós, quando nossos netos
Sentirem saudades, não de antigas casas,
Não da vida calma, mas desse concreto?