sábado, 22 de fevereiro de 2020

A poesia me persegue em Santa Catarina


Nas últimas férias de Inverno, viajei com a família pelo interior de Santa Catarina. Costumo aproveitar esses períodos para escrever poesia, ou mais especificamente, para terminar poemas que vou rascunhando no meu caderno, onde costumo deixá-los amadurecer, às vezes por anos (e os piores, pra sempre). A poesia, porém, não costuma interferir no itinerário da viagem. Desta vez, no entanto, ela apareceu de surpresa no caminho, tornando tudo mais interessante.

Na simpática cidade de Timbó, encontrei a Casa do Poeta Lindof Bell, (1938-1998) de quem nunca tinha ouvido falar. A casa simples, onde ele viveu a infância, e que ficava então à beira de um regato, quase no meio do mato, abriga hoje seu acervo. Bell militava por uma poesia ao alcance do grande público, para ser lida em voz alta, e era também artista plástico. O poema abaixo, tirado da antologia cuja capa reproduzo (Global editora, 2009, p. 219), dá conta de sua atualidade.


Poema para o índio Xokleng

Se um índio xokleng
subjaz
no teu crime branco
limpo depois de lavar as mãos

Se a terra
de um índio xokleng
alimenta teu gado
que alimenta teu grito
de obediência ou morte

Se um índio xokleng
dorme sob a terra
que arrancaste debaixo de seus pés
sob a mira de tua espingarda
dentro de teus belos olhos azuis

Se um índio xokleng
emudeceu entre castanhas, bagas e conchas de seus colares de festa
graças a tua força, armadilha, raça:
cala a tua boca de vaidades
e lembra-te de tua raiva, ambição, crueldade

Veste a carapuça
e ensina teu filho
mais que a verdade camuflada
nos livros de história.

* * *


Capa da ed. original (1878)

Na cidade de Treze Tílias, outra surpresa deu-se ao conhecer a origem do seu nome. Eu já sabia que a tília é uma árvore, e tinha ouvido falar o nome da cidade em alemão, Dreizehn Linden. O que eu não sabia é que este é o título de um poema épico do médico e político Friedrich Wilhelm Weber (1813-1894), nascido na Westfália, obra muito popular na Áustria e Alemanha, até o início do século XX. Segundo ouvi contar, ao chegar ao Rio de Janeiro, liderando um grupo de colonos tiroleses que viriam fundar a cidade, em 1933, o ministro austríaco Andreas Thaler procurava um mapa da região numa livraria, quando deparou-se com esse livro. Talvez com saudade da terra natal, talvez por acreditar em coincidências significativas, comprou-o e, ao chegar ao seu destino, decidiu batizar assim a localidade.

Uma alegria para os poetas, sem dúvida, que um livro de poesia tenha dado nome a uma cidade. A má notícia é que não pude encontrar, nem na cidade, nem na Internet, uma edição do livro em português. (Se o leitor souber, por favor me avise). Por enquanto, teremos de nos contentar com os pequenos trechos (início e fim do livro), traduzidos por Wieland Lickfeld em seu blog. Ainda que a ação se passe no século IX, durante as lutas entre francos (cristãos) e saxões (pagãos), também esta obra parece digna de interesse na atualidade, ao evidenciar "a contradição existente entre a ação guerreira dos invasores e a mensagem de paz cristã que supostamente deveriam propagar."

Wonnig ist's, in Frühlingstagen,
Nach dem Wanderstab zu greifen,
Und, den Blumenstrauss am Hute,
Gottes Garten zu durchschweifen..."


"Como é bom, durante a primavera
Lançar mão do bastão de caminhada,
E, com flores o chapéu a ornamentar
Pelo Jardim de Deus poder vaguear...

[...]

Helf' uns Gott den Weg zur Heimat
Aus dem Erdenelend finden.
Betet für den armen Schreiber,
Schließt der Sang von Dreizehnlinden!
"

"O caminho da Pátria ajude-nos Deus
Em meio à miséria terrena encontrar.
Rezem pelo pobre escritor,
Termina o canto de Treze Tílias!"