sábado, 23 de setembro de 2017

Um quarto de século e um troféu barato

A edição do livro foi resultado do concurso realizado no ano
anterior.
Nesses meses em que o blog deu uma pausa, pelo menos uma data marcante acabou passando em branco: os 25 anos do lançamento do meu primeiro livro, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito, pela Editora da UFRGS. Ano passado eu já tinha evocado este dia - 11 de junho de 1992 - numa postagem, onde você pode ver a capa do livro.

O famigerado troféu

O troféu, reproduzido ao lado, foi objeto de uma polêmica desagradável e meio risível. Como constasse no regulamento do prêmio, e já tinham se passado alguns meses sem notícia dele, escrevi uma carta nada diplomática ao então Pró-Reitor de Extensão da UFRGS, cobrando. Em resposta, ele me chamou ao seu gabinete, onde revelou-se indignado com a cobrança. Não guardei cópia da carta, logo é difícil dizer em que medida os termos da carta possam lhe dar razão, mas é claro que não tive a intenção de ofendê-lo pessoalmente (eu sequer o conhecia). Era um problema institucional. Segundo me explicou, a confecção do troféu era responsabilidade do Instituto de Artes, que deveria ter promovido seu próprio concurso para escolhê-lo, o que não aconteceu por algum motivo. Não era culpa dele, e nem problema meu. A "solução" que encontrou, para eu parar de lhe encher o saco, foi mandar fazer essa coisinha aí na loja da esquina. O que para mim pouco importa, e guardo com muito orgulho, evidentemente.

Segue um dos poemas que estão lá, meu primeiríssimo soneto.


Soneto I

Uma desgraça espreita no meu dia, e morde
as pontas de meus dedos, entre os lençóis brancos:
saudades de um tempo de humor e de arrancos,
que some na poeira, atrás de um velho Ford.

Lá se foram, dias da feliz ignorância
que embebe as flechas da ironia juvenil:
do mundo adulto me contemplam mais de mil
olhos frios, que receio, mesmo à distância.

Crescer, tento explicar a mim mesmo, é esquecer de
tudo que já fui, ainda que somente em bruma:
pintar-me de cinza, para ocultar o verde

rosto que da infância trago, sem ruga alguma,
(quem sabe, logo, um filho nascerá que o herde)
e decretar-me o início da velhice, em suma.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Independência ou morte?

[Já lá se foram quatro meses sem poema novo nesse blog. E como parecia facilmente alcançável, quando iniciei, a meta de publicar um poema por semana...]

Para quem, como eu, aprendeu o significado de pátria num tempo em que ela não era democrática (ou, radicalizando um pouco, quando era ainda menos democrática que hoje), pode ser difícil separá-la daquela sensação de ser um pato, que começa a se instalar quando você vai ficando adulto e entendendo melhor o significado daquelas horas cívicas, daqueles desfiles escolares, daquelas bandeirinhas agitadas para homenagear ditadores e recepcionar autoridades não eleitas. É no que eu costumo pensar, em dias como hoje.

Pois tava eu aqui, então, nesse feriado, tentando terminar uns poemas rascunhados, passando outros a limpo, e eis que me sai isso, bem a propósito desse momento difícil, confuso, por vezes deprimente. Um inédito, portanto, para compensar os leitores por esses meses de silêncio. E uma pitada de ironia, pra segurar o rojão.

Soneto XXXV


Com a obra da tua vida, teu esforço,
tua casa, teu jardim, tua expertise,
apenas arranhaste a superfície
sob a qual trafegam rios de esgoto.

Tua interpretação de Wittgenstein
até que vende bem, como auto-ajuda.
Com frequência, a memória te trai,
em meio àquele poema de Neruda.

Foram ficando pra trás, as vanguardas;
a coisa não andou mais que um milímetro,
e mesmo assim - em que sentido?

Retroceder, jamais? Hacia adelante?
Seguir o rumo de um bom restaurante?
Teu GPS pede as coordenadas.