segunda-feira, 27 de março de 2017

Rondeau n. 1 - uma experiência visual

Lá pelo início dos anos 1990, eu terminava de escrever os poemas que viriam a compor meu primeiro livro, Viagens de uma Caneta por meus Estados de Espírito (que saiu em 1992). Minhas tentativas de escrita poética seguiam no rumo de uma crescente complexificação formal, intensificando o uso de rimas e assonâncias. O poema que apresento hoje marca o que considero o auge dessa experimentação, e ao mesmo tempo a chegada numa espécie de beco sem saída, já que depois de escrevê-lo ficou claro que eu tinha de buscar outros caminhos. (Vejam que as rimas não se encontram apenas no final dos versos, mas em qualquer ponto deles. Além disso, extrapolam o limite das estrofes, isto é, retornam ao longo do poema nas estrofes seguintes. São recursos pouco comuns) Agora, graças ao auxílio luxuoso do Marcel Goulart (que sabe escrever outro tipo de "versos", sobre os quais sou ignorante: aqueles que os computadores lêem), vocês poderão perceber as múltiplas correspondências sonoras entre os versos (inclusive de diferentes estrofes), com um simples movimento do mouse. Bom proveito.
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    pirraça
  • dos
    sinos
    loucos
    que
    soam
  • em
    teus
    abismos
    -
    aqueles
  • que
    o
    poeta
    canta?
    Onde,
    eles?
  • Em
    vão
    procuras...
    Não
    vês?
  • São
    teus
    demônios
    que
    crescem,
  • enquanto
    desce
    a
    mais
    escura
  • noite,
    nos
    abismos
    do
    poeta.
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    desgraça
  • que
    uns
    poucos
    relógios
    amontoam
  • sob
    os
    véus
    que
    ainda
    temos,
  • mesmo
    quando
    os
    escondemos
  • para
    em
    vão
    detê-los?...
    Não
    crês?
  • São
    teus
    hormônios
    que
    procuram
  • a
    mais
    pura
    forma
    de
    fazê-lo,
  • à
    noite.
    Ainda
    não
    esta...
    -
    Mas
    quando?!
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    couraça,
  • para
    que
    roucos
    gemidos
    não
    doam
  • mais
    em
    Deus,
    ou
    em
    nós,
    tolos?
  • Se
    não
    na
    vida
    consolos,
  • e
    em
    vão
    tentamos
    ser
    fortes,
    não
    dês
  • atenção
    a
    teus
    neurônios
    cansados:
  • mais
    ousado
    é
    encontrar
    a
    morte
  • à
    noite,
    a
    sós,
    numa
    bala
    perdida.
  • O
    tempo
    passa,
    as
    horas
    voam...
  • ou
    será
    o
    tempo
    trapaça,
  • e
    a
    noite
    mais
    do
    que...
    fumaça?

domingo, 12 de março de 2017

Chega, Outono

Há cerca de um mês, ao voltar de férias, soube que meu local de trabalho ia mudar. E graças ao acaso, ao destino ou simplesmente às idas e vindas da nossa política, acabei não apenas no subsolo de uma biblioteca - eu, que devo tanto às bibliotecas - mas também no local onde funcionava a Coordenação do Livro e Literatura, onde pela primeira vez tomei contato com as políticas culturais da SMC (e as pessoas que as faziam acontecer), ainda cerca de um ano antes de eu mesmo me tornar parte desta instituição.

Foi lá que foi gestado, dentro de uma falecida coleção chamada Petit PoA, meu segundo livro, O Primeiro Anel (1996), já conhecido dos leitores deste blog. E que contém o poeminha sem título que segue, pensado num dia chuvoso como o de hoje, com vagas saudades do verão, numa parada de ônibus. (Aos leitores de fora do RS, é preciso esclarecer que Cidreira é uma praia.)

Um dia de outono escuro e molhado,
enchentes em todo interior do estado.
No abrigo-ilha, em ansiosa espera 
pelo ônibus, a gente se aglomera.

— Lá vem ele! - E posso ouvir com clareza
o suspiro, inundado de tristeza,
único som na multidão inteira...
É que este ônibus vai para Cidreira.