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Com alguns meses de atraso, registro a publicação do meu poema "Tempo Dançarino" na antologia Motus #3. A publicação, em formato digital, é resultado de um projeto de extensão da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), coordenado pela professora Aline Viera de Mello.
Em sua terceira edição, a antologia Motus teve como tema “O Tempo” e recebeu inscrições de autores residentes em diferentes estados brasileiros e no exterior (Canadá, Estados Unidos, Itália, Japão, Moçambique e Portugal). Dez poemas e dez contos foram selecionados através de concurso literário, e um poema escrito de forma colaborativa por estudantes do nono ano com apoio de duas professoras, resultado da ação Motus na Escola Estadual Dr. Romário Araújo de Oliveira – CIEP (Alegrete). Cada obra é acompanhada por uma ilustração da artista Amanda Gobus Lopes.
O poema parte do ponto de vista do narrador que vê alguém dançar em plena rua, mas vai aos poucos descolando da realidade, rumo ao sonho, numa espécie de transe que a dança é capaz de criar. Ei-lo:
Tempo dançarino
O livro teve lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre |
Ali, no Largo que, outrora,
chamou-se o Largo do Império
(Império que já não há),
sobre a pedra portuguesa,
em noite fria de Inverno,
sob a luz da lua cheia,
se não me falha a memória,
eu vi um homem dançar.
Eu vi dançar esse homem
(ou mulher, até nem sei),
lembro como fosse ontem.
Nada mais não se movia,
sobre o asfalto a ferver,
sob o sol do meio-dia.
E enquanto ele ali dançasse,
não havia gravidade.
Bomba do céu não caía,
já não matava a polícia
e o campo, só, de batalha,
era o corpo que bailava.
Menino sem mãe nem pai,
pegou a sorrir de graça,
e até foi visto a cantar,
enquanto o homem dançava,
veloz como a nuvem alta,
com seu passo cai-não-cai,
Era a multidão de pobres
que seguia o Nazareno?
Poema de Maiakóvski,
pelos pés da bailarina?
Ou o Exército Vermelho
dançando o mapa da China?
Eu era uma parte dele
e ele era um meu pedaço,
feito o beato e seu crente.
O que eu fiz de certo e errado,
passo futuro e passado:
tudo eu via, de repente.
Tão depressa se movia,
que eu a ver não alcançava
a sua fisionomia.
E sem sombra de cansaço,
preenchia todo o espaço,
só com o gesto, sem mais nada.
Não sei que dança era aquela.
Um Tango, sei que não era,
nem era o praieiro Coco,
tampouco nobre Minueto.
Da Catira, tinha um pouco,
talvez do Samba um meneio...
Chapéu ele não usava,
de gaúcho ou de vaqueiro,
nem do boi a fantasia.
Não vi nenhum pau-de-fita.
Não se ouvia som de gaita,
nem berimbau ou pandeiro.
O tempo virou história,
a vida em volta girava,
cada um com seu destino,
cada qual na sua rota,
o mundo em tal desalinho,
e esse homem só... dançava.
E eu quis dançar com as palavras,
trocando os pés pelas rimas.
O homem já não dançava,
caía uma chuva fina:
só a memória da sua graça,
feito fumaça, subia.
Caminhar com mais leveza,
no entretanto desses tempos
em que eu sem querer nasci;
carregar um mundo inteiro
e conservar a cabeça
erguida e a espinha ereta:
foi ali que eu aprendi
meu ofício de poeta.
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