segunda-feira, 9 de agosto de 2021

A morte do tirano (poema inédito)

Semana passada, a Biblioteca Pública Castro Alves, de Bento Gonçalves, divulgou o resultado de seu primeiro concurso de poesia. Foram 765 inscrições, vindas de todos os estados brasileiros, nas categorias infantil, juvenil e adulto.

Meu poema "A morte do tirano" foi um dos que receberam menção honrosa. Todos os textos premiados estão reunidos num e-book.

Para os leitores do blog, adianto aqui o poema, até então inédito. Ele começou a ser esboçado em novembro de 2015, recebendo cortes e acréscimos em 2016, 2018 e 2020, até chegar à versão final (por enquanto), enviada ao concurso em abril deste ano.

A Morte do Tirano

Quando morreu o Tirano,
pode ser que alguém duvide,
mas eu lhes digo e garanto:
muita gente ficou triste.
 
Pai dos mortos dos vivos,
atentos olhos e ouvidos
a nos proteger do mal,
onde o mal fosse brotar.
 
Mal que tinha muitas caras
invisíveis e sem nome:
era preciso nomeá-las
mantê-las sob seu controle.
 
(O bem tinha um nome só,
que vivíamos recitando
até sabermos de cor:
era o mesmo do Tirano.)
 
O mal que nos ameaçasse,
era feito uma neblina,
mal discreto, que sabia
disfarçar-se de beleza.
 
Mas não podia enganar
o nosso supremo líder,
com o seu faro infalível
e o seu penetrante olhar.
 
Muita gente foi expurgada
dos empregos, das famílias,
expulsos das próprias casas
saqueadas pelas milícias.
 
Silenciados, os artistas
(seus piores inimigos)
foram presos ou banidos;
suas obras, proibidas.
 
Houve os que se revoltaram:
seus corpos, despedaçados,
foram expostos no alto
dos postes, muros, fachadas...
 
Devorados, sem demora,
por corvos, lobos e ratos,
com eles foi-se a revolta,
da qual ficamos curados.
 
E pra que o peso excessivo
da culpa pelas maldades
que o Tirano cometera
de pronto não o esmagasse,
nós com ele o dividimos,
aliviando sua consciência.
 
Quem, outrora, a cavalgar
sobre os corpos dos vencidos,
em incontáveis batalhas,
grande alegria encontrava,
ora de pena era digno;
pois de uns tempos para cá,
já não era mais que a sombra,
o tirano, do que fora.
 
Esses mortos, ele os via
como se estivessem vivos,
quais minúsculas formigas,
no açucareiro de prata
que lhe trazia a criada
pra adoçar o chá das cinco.
 
E o medo, seu grande aliado
voltou-se contra ele mesmo,
passando a ser costumeiro
conviva, sempre a seu lado.
 
E ao ver no esquife o seu corpo
receber tais homenagens
(agora, que estava morto,
ainda mais altas que em vida),
ninguém imaginaria
que ele era tão covarde.
 
Pois o Tirano, eu garanto
(e isso era dele segredo,
que ninguém ficou sabendo),
senhor da morte e da vida,
dono de léguas de campo,
com tudo que havia em cima,
tendo aos pés o mundo inteiro,
não foi senhor de si mesmo.


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