domingo, 17 de julho de 2016

Tragédias, filmes, poemas: adeus a Babenco

O cartaz do filme de Babenco
Esta semana o Brasil perdeu seu grande diretor argentino (de nascimento, só pra sacanear, mas se naturalizou brasileiro), Hector Babenco, sujeito que não fazia filmes só pra encher linguiça. Era dedo na ferida direto. Meu filme preferido dele é Brincando nos campos do Senhor, ambicioso fracasso de bilheteria. Mas seu maior sucesso foi Carandiru. Em sua memória, deixo aqui este poema do meu livro Dança das Palavras (1998), inspirado na mesma tragédia, ocorrida em 2 de outubro de 1992, mas tristemente atual ainda neste novo milênio.


CARANDIRU

São cento e onze cadáveres
alinhados como latas
de sardinha na gôndola
do supermercado.

Quase todos quase-pretos
que nunca mais serão pobres,
redimidos a mordidas
de cães e tiros na nuca.

Enfim salvos da prisão
perpétua em que nasceram
todos, da luta sem fim
pra ser-brasileiro.

Cento e onze deputados,
enquanto isso, negociam
seus votos, almas e sonhos
de algum futuro.

E em cada esquife carregam
algo de nós. — Eu deliro:
num, julgo ver Tiradentes;
noutro vai Pedro Primeiro;

num terceiro, Bonifácio.
Chico Mendes, Guimarães,
Prestes e Simon Bolívar,
José Martí, Che Guevara...

Cada um morrerá um pouco
mais a cada dia destes,
em que um Estado se expresse
em tiros na nuca e dentes
de cães amestrados
(porém comandados
por homens selvagens).

(Pensando bem, os selvagens
de verdade nada ganham
na comparação equívoca.
Esses homens também são
amestrados, a seu modo.)

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