"O barco que despertou mil sonhos de criança". Dez anos após a morte de seu comandante, o Calypso estava prestes a ser leiloado, mas em breve deve voltar a navegar, totalmente restaurado, segundo o Telegraph. |
O poema desta semana sai com atraso, mas eu tinha dado um bônus na semana passada, OK? Então vamos lá, comemorar o Dia do Meio Ambiente.
Em 25 de junho de 1997, morria Jacques-Yves Costeau, um marinheiro e mergulhador que virou inventor e cineasta (chegou a ganhar a Palma de Ouro em Cannes). Seus filmes ajudaram a criar o que chamamos hoje com naturalidade de consciência ecológica, coisa desconhecida há algumas décadas, quando os assistíamos, ainda crianças, em TVs preto-e-branco. Tinha 87 anos.
A frase com que a família anunciou sua morte, lida nos noticiários, já era um verso. (Em português, um verso eneassílabo, com ritmo binário.) Pedia uma continuação, e eu não pude resistir. O poema saiu no livro Dança das Palavras (Instituto Estadual do Livro-RS, 1998).
a Jacques Cousteau, ontem falecido
I.
— Bela frase, com que a família quis
dizer aos miseráveis habitantes
do planeta mais belo do Universo,
a todos eles, seres vivos: PACIÊNCIA!
Milhões de pessoas que não se conhecem
olharão por um momento o horizonte
limpo ou borrascoso de infinitas praias,
adicionando a eles sua própria gota
de água salgada.
Gaivotas e urubus, na dor irmanados,
hoje não disputarão seu alimento,
entre resíduos da pesca artesanal
ou predatória.
Não se verá saltando um só golfinho
à luz do sol, exceto os tristes escravos
que vivem nas piscinas de Miami.
E no Atol de Mururoa, barreiras
de coral irão erguer-se até as nuvens,
tornando-se invencíveis
para os governantes de bombas atômicas.
II.
Ele, que trouxe à superfície o que não
existia: Mundo Novo, o primeiro
a ser criado; Sexto Continente,
onde o caos ainda reina
— ou será nos outros cinco?
Magro e feliz como Dom Quixote,
montado à proa do Calypso,
o capitão Cousteau esgrime imagens
para dentro de nossa sala de visitas.
(Irá o polvo espirrar tinta preta
sobre a toalha de mesa?
Voltará o mundo a ser o mesmo
depois de suas viagens?
Poderei nadar no doméstico açude
sem temer criaturas outrora ocultas
sob a superfície, e que hoje parecem
tão naturais à imaginação,
depois de realizadas por sua lente?
Foi-se em paz, ou desespero,
para sempre, nesse último mergulho?
Com a fronte iluminada de um santo
que simplesmente fez-se ao mar?
Ou lamentando a estupidez dos homens?
Ou voltará,
como o índio de Caetano Veloso,
“depois de exterminada a última nação indígena”
com a poderosa arma química extraída
pelos japoneses
do fígado da última baleia azul?
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